Japão já não descarta risco de derretimento total de três reatores

O Globo

TÓQUIO

 
Uma explosão de hidrogênio no reator número 2 de Fukushima I (Daiichi) na manhã de hoje - a terceira e mais grave registrada no complexo desde sábado - aumentou o alerta nuclear no país. Depois de uma série de falhas, engenheiros passaram a noite tentando resfriar a estrutura, cujo superaquecimento, estimado em cerca de 1.900 graus Celsius, já havia provocado o derretimento parcial de parte das varetas metálicas que conduzem o combustível (urânio enriquecido).

 
Ao contrário dos incidentes anteriores, o porta-voz do governo do Japão, Yukio Edano, deixou de lado o tom contido e confirmou que a explosão afetou a piscina de condensação - um tanque de contenção, na área de resfriamento - destinado a impedir a fuga de radiação em caso de acidente. A Tokyo Electric Power Company (Tepco) evacuou os funcionários que trabalhavam no local. Edano disse que a possibilidade de total derretimento dos reatores 1, 2 e 3 não podia ser descartada.

 
- Não se pode dizer que a situação seja estável - afirmou o porta-voz.

 
Pouco depois da nova explosão, os sites dos jornais "Asahi Shimbun" e "Yomiuri Shimbun", que estão entre os principais do país, informavam - sem confirmação oficial - que o nível de alerta em Fukushima passara do nível quatro para o nível seis, sendo sete o nível mais alto da escala internacional, como o desastre de Chernobyl, em 1986.

 
De acordo com a Agência de Segurança Industrial e Nuclear do Japão, o impacto da explosão deixou expostos metade das varetas de combustível do reator. O maior temor é que as paredes de contenção do reator tenham sido danificadas - o que tornaria Fukushima uma versão contemporânea da usina de Chernobyl, que não tinha essa proteção contra o escape de material radioativo. Uma espessa nuvem de fumaça encobria a região e, segundo a Tepco, uma primeira amostragem indicava que os níveis de radiação haviam quadruplicado em 40 minutos e atingido 8,217 microsieverts, quantidade oito vezes maior que a permitida.

 
Governo pede socorro aos Estados Unidos
 

Mais cedo, embora a Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA) tenha considerado "improvável" uma catástrofe comparada à de Chernobyl, o governo do Japão pediu ajuda à entidade e aos EUA - além de anunciar a distribuição de 230 mil tabletes de iodo, usados em casos de exposição à radiação, aos moradores de um raio de 20 quilômetros do complexo nuclear. A dificuldade japonesa de controlar as falhas também levou a França a afirmar que o acidente é mais grave do que admitem as autoridades do país.
 
- É uma crise que pode durar semanas. O nível quatro (de gravidade, estabelecido pelos japoneses) é grave, mas acredito que estejamos pelo menos no nível cinco (acidentes com consequências de grande alcance) ou mesmo seis (acidente importante). - alertou André-Claude Lacoste, da Agência de Segurança Nuclear Francesa (ASN).

 
A Comissão Reguladora Nuclear americana (NRC) enviou dois peritos em reatores nucleares com água, como parte de uma delegação da Agência dos EUA para Desenvolvimento Internacional (USAid) - enquanto avalia novas formas de colaborar com os especialistas japoneses.

Por uma ironia da História, o pedido de socorro veio do único país atacado, há 66 anos, por uma bomba atômica, ao agressor de então. E preocupou especialistas americanos. Executivos da indústria nuclear, em contato com colegas japoneses, relataram a inquietação nipônica.

 
- Eles estão em pânico total. Totalmente desordenados, sem saber o que fazer - contou um, em condição de anonimato, ao "New York Times".

 
Em Viena, o chefe da AIEA, Yukiya Amano, tentou acalmar a onda de especulações e reafirmou que, até agora, toda a radiação que vazou dos reatores nucleares ainda está abaixo dos níveis considerados perigosos:


- Apesar das explosões de hidrogênio, os recipientes que abrigam os reatores, feitos para impedir grandes vazamentos de radioatividade, continuam intactos. Por isso, o vazamento é limitado.

 
No complexo de Fukushima I (Daiichi), técnicos levavam adiante o plano de injetar água do mar e ácido bórico - capaz de absorver partículas atômicas - nos reatores 1, 2 e 3 para forçar a queda das altas temperaturas devido ao colapso do sistema de resfriamento. Mas, horas depois do início da operação, outra falha levou a bomba que injetava água no reator número 2 ficar sem combustível. O nível de água abaixou rapidamente, deixando as varetas que armazenam o combustível nuclear completamente expostas por mais de duas horas, o que significa, na prática, que o combustível poderia começar a derreter. Nesse cenário, sem água, as pastilhas de combustível - urânio altamente enriquecido - podem queimar através do fundo da estrutura de contenção, levando ao escape de altos níveis de material radioativo.

 
Segundo a rede NHK, os engenheiros da Tepco tiveram dificuldade em injetar água do mar no reator porque as dez válvulas de escape - necessárias para aliviar a pressão, permitindo que o vapor radioativo saia - pararam de funcionar. E uma segunda tentativa de esfriar a estrutura voltou a falhar, deixando as varetas expostas. A alternativa encontrada pelos peritos foi abrir um novo canal de ventilação para reduzir a pressão, e o processo de resfriamento da instalação já foi retomado.

 
Embora o governo japonês - e a própria AIEA - insistam em minimizar os riscos de radiação, pelo menos 190 pessoas foram contaminadas, sendo que 22 estão hospitalizadas, em tratamento.

 
O medo de contaminação radioativa chegou à Marinha dos EUA - envolvida nos trabalhos de resgate às vítimas das tsunamis. Testes de laboratório confirmaram que 17 militares apresentaram resultados positivos para "baixos níveis" de radioatividade, capaz de ser eliminada com água e sabão. 


Mas, por precaução, o porta-aviões USS Ronald Reagan, foi deslocado para uma distância de 160 quilômetros da região de Fukushima.
 
Apesar do risco de novos terremotos, uma boa notícia injetou um pouco de ânimo nos japoneses.

 
Segundo a agência meteorológica do país, a massa de ar sobre a região tende a seguir ao leste, rumo ao Pacífico - o que ajudaria a levar para longe do continente qualquer vestígio de radiação nuclear.

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