Rita Loiola - Veja
Morrendo de inanição porque seu prato favorito, um peixe chamado anchoveta, escasseava, o animal acabou guiando uma campanha nacional a favor de sua comida. "A anchoveta é uma das bases do ecossistema local e, para preservá-la, decidimos transformá-la em alimento interessante também para os homens", diz Larissa, professora da universidade Unisinos, no Rio Grande do Sul, e uma das pesquisadoras envolvidas com a nova espécie. A ideia era fazer a população gostar do peixe, antes desprezado e usado apenas como ração.
Um dos entusiastas do pescado foi Gastón Acurio, o mais importante chef peruano (e proprietário da franquia de restaurantes La Mar, em São Paulo), que abraçou o projeto e criou receitas de alta gastronomia com ele. A inusitada iniciativa transformou a anchoveta em iguaria, ganhou apoio do governo peruano e fez com que o peixinho pudesse se reproduzir em paz. “O peixe caiu nas graças do povo, que agora fará de tudo para que ele não acabe”, afirma a bióloga. Como resultado, o lobo-marinho passou a se alimentar melhor. E os peruanos também. Larissa contou essa história no TEDx Amazônia e, em entrevista ao site de VEJA, explicou como homens que gostam de matar peixe para fazer uma fritura podem salvar o meio ambiente.
Você descobriu o lobo-marinho peruano. Como é encontrar uma espécie nova?
A primeira vez que vi que podia estar diante de um bicho desconhecido foi em 1997, em um estágio. Fui estudar os efeitos do El Niño (aquecimento das águas do oceano Pacífico) na reprodução dos lobos-marinhos e decidi recolher os crânios de alguns que haviam morrido na costa do Peru. Desconfiei que eles poderiam ser diferentes dos da costa Atlântica e decidi analisar o tamanho dos ossos. Mas só cheguei à conclusão de que era uma nova espécie em 2008, depois de fazer uma análise genética mais profunda.
Ele já estava em extinção?
O lobo-marinho peruano ainda nem foi batizado cientificamente e já está ameaçado. Percebemos que um dos maiores problemas é que o alimento dele, uma espécie de sardinha chamada anchoveta, estava desaparecendo pelos efeitos do El Niño e da pesca comercial predatória. Muito usado em rações para piscicultura, esse peixe estava no fim e ia levando junto todo o ecossistema que depende dele. Foi aí que a bióloga Patrícia Majluf teve a sacada de fazer a anchoveta se transformar em comida para os peruanos. Achávamos que esse era um bom jeito de fazer as pessoas conhecerem o peixe, gostar dele e preservá-lo.
Ou seja, vocês queriam fisgar os peruanos pelo estômago e chamar a atenção para o problema?
Exatamente. Fazendo da anchoveta um prato nacional, queríamos construir um movimento político e social para conservar a espécie, que é essencial para salvar não só o lobo-marinho, mas todo o complexo natural ao seu redor. Em 2007, o chef mais importante do país, Gastón Acurio, entrou nessa história criando receitas com o peixe e divulgando o seu valor gastronômico e nutricional. Elas foram publicadas mensalmente nos maiores jornais e revistas do país e, no fim do ano, vários restaurantes criaram pratos com o ingrediente na Semana Nacional da Anchoveta. De repente, aquele peixe que só servia para ração ficou gostoso. O consumo aumentou quase 50%.
Isso significou também diminuição da pesca predatória?
Finalmente as cotas de pesca da anchoveta estão sendo discutidas pelos órgãos competentes. A proposta é regular essas quantidades para que a pesca seja sustentável. Mas agora a população já sabe que o peixe existe e não deixará que ele acabe.
E o lobo-marinho sobreviveu?
Por enquanto sim. E em pouco tempo deve receber o nome científico. Todos saíram ganhando nessa história: nós, que descobrimos um peixe barato e saboroso, o lobo-marinho, que voltou a ter seu alimento, e o meio ambiente, que pôde se reestabelecer.